UMA POSSÍVEL REVISÃO NA TRIBUTAÇÃO DO SOFTWARE

Por Alexandre Pantoja*

Não consigo imaginar quantos leitores desse artigo sabem que os famosos pacotes “Windows” e “Office” eram vendidos em lojas com paredes, balcões, gente e telhado, em dezenas de disquetes e, instalá-los nos computadores era uma missão para algumas horas de perseverança. Comentei sobre isso no escritório e meu assistente com vinte e poucos de idade, consumidor ávido de “games” e aplicativos inseridos comodamente em poucos minutos por “download” no seu “smartphone”, me olhou como quem via um neandertal. E até agora, ele não imagina o que foi um disquete, mas o Google está aí para isso.

Foto: Arquivo pessoal

Nosso idioma também acolheu sem traduzir e por isso utilizamos aspas, esses e muitos mais termos de outra língua e o desenvolvimento veloz e massificante da tecnologia instalou a perplexidade no Direito Tributário. O problema da perplexidade é que acaba por induzir oportunismos teóricos extravagantes em nome de uma frágil e falseada superação de robustos conceitos e definições, instalando nos debates a autoridade de uma força subserviente às secretarias da fazenda, mas diluem e desfazem a relevância do pensamento crítico e do engrandecimento do Direito em si mesmo, servindo a propostas de reformas quase sempre tendenciosas a privilegiar a arrecadação de impostos a um ou outro grupo com capacidade maior de lobby ou, retroalimenta uma produção acadêmica ansiosa pelo pódio novidadeiro, o que por si só é no mínimo, intelectualmente desleal.

É certo que desde 1998, quando o STF pronunciou a decisão clássica e conceitual da tributação dos “softwares”, classificando o famosíssimo “Windows” e similares como “software” de prateleira e fixando as operações decorrentes da aquisição de suas licenças de uso tributáveis pelo ICMS, o mercado da tecnologia avançou fronteiras inimagináveis naquela época, entretanto, alguns pontos devem ser cravados de modo que a perplexidade ante à novidade não seja a principal motivação tampouco fundamento do Direito Tributário.

Isso porque, na evolução dos tempos, as operações com “softwares” antes acondicionados em meio físico foram facilitadas pelo uso intenso da “internet” e sua disponibilização por “download”, tornou ágil e rápido um procedimento antes demorado, entretanto, friso, a operação tida entre o fornecedor e o usuário é a mesma de antes, ou seja, o objeto de consumo continua sendo o “software”.

Talvez de modo mais claro ainda, minha geração nunca consumiu “disquetes”, senão o “software” lá contido com a devida licença para instalação e uso. Será o “download” capaz de modificar o sentido das operações? Será a inovação na disponibilização do produto capaz mesmo de alterar competências tributárias? Ou será que a perplexidade serve a outros interesses?

Pois que, em 2021, com o mantra no mínimo duvidoso da “superação de modelos civilistas de tributação”, o STF julgou as ADI nº 5659 e 1945 modificando seu posicionamento histórico atribuindo, irrestritamente, a tributação pelo ISS nas operações com licenciamento e uso de “softwares”, vez que inexistentes hoje, os velhos disquetes como suporte físico. O meu paciente editor restringe o espaço desse artigo a certo número de caracteres do bom e velho “word”, por isso, ao final, dois pontos se debatem intensamente: Um: o “software” como produto/mercadoria continua o mesmo de tempos passados. Dois: as licenças de uso desde sempre foram meio para aquisição do produto consumido pelo usuário. Com isso, a pergunta final é, quanto de perplexidade deve haver para a alterar e modificar a incidência do ICMS?

*Alexandre Pantoja é advogado atuante em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (GVlaw). Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (IBET/SP). pantoja@alexandrepantoja.adv.br

10 de agosto de 2022