Por Carolina Jatobá*
No memorial dos mortos torturados no Chile, uma frase de Mario Benedetti ecoa: “El olvido esta lleno de memoria.” Essas palavras ressoam a necessidade de lembrar eventos sombrios na história. A reflexão coletiva sobre esses acontecimentos gera repulsa pela repetição e promove um aprendizado essencial para as futuras gerações, evitando a perpetuação de erros, construindo uma cultura consciente e perene. No caso específico do 08/01/2023 no Brasil, apesar dos esforços governamentais em selar o pacto democrático, o cenário não parece otimista.
A polarização atingiu um ponto em que uma parcela considerável da população ainda acredita na narrativa de que os eventos foram meramente uma desordem generalizada, sem a intenção de minar o sistema democrático. Esta percepção equivocada merece atenção das autoridades, pois a pós verdade alimenta crenças dissociadas da realidade. A disseminação de desinformação e fake news deu origem ao ocorrido em 08/01, gestado muito antes, através do desrespeito às instituições, discursos de ódio camuflados como liberdade de expressão e a normalização do mal, tanto em discursos oficiais quanto informais.
Conforme destacam os autores do renomado livro “Como morrem as democracias”, a quebra da democracia não se dá de maneira súbita, ela se fragmenta gradualmente sob a aparência de um status quo democrático. Não há um colapso explícito, mas um declínio por meio de ações antidemocráticas cotidianas, na intolerância política, na criação de inimigos e na conivência de figuras governamentais. No entanto, quando tais constatações vêm dos próprios poderes, dos agentes políticos rejeitados pela massa, não surtem efeito. As pessoas se ancoram em suas crenças, ouvindo apenas verdades que confirmem suas convicções.
Para promover uma mudança de perspectiva, é essencial que outros atores levantem essas questões. A responsabilidade recai sobre a mídia, os juristas e os professores. Para preservar a democracia, precisamos desmistificar a ideia de liberdades absolutas, especialmente a liberdade de expressão, que não deve ser confundida com discursos de ódio que incitam violência e desordem. O respeito à ordem é crucial para o exercício dessas liberdades – sem isso, todas as liberdades serão restringidas, culminando na morte da democracia. O desafio consiste em conceder ao próximo direitos que ele tenta suprimir e, dentro da ordem, compreender que atentar contra esses direitos é prejudicar a si mesmo.
*Carolina Jatobá é professora de Direito Administrativo do Centro Universitário de Brasília (CEUB).