Federação alerta para o que classifica como “combinação de extremo risco” tanto para quem contrai empréstimos, especialmente “negativados”, quanto para bancos públicos
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua/IBGE) aponta que o país contabiliza mais de 12 milhões de brasileiros sem trabalho e renda formal. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) elevou a projeção para a inflação este ano: 6,5% — percentual bem acima do teto da meta. Diante de uma inflação persistente, juros altos, desemprego e perspectiva de baixo crescimento da economia, a tendência, segundo analisa o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, é que o mercado de trabalho continue se desestruturando.
É neste cenário que a direção da Caixa Econômica Federal lançou mais uma linha de empréstimo para pessoa física, incluindo os chamados “negativados”: cidadãos com “nome sujo” em serviços de proteção ao crédito. O empréstimo, a juro de 1,95% a 3,65% ao mês, pode chegar a R$ 1 mil, o que corresponde a 40% da renda média do brasileiro com alguma ocupação.
Segundo a Pnad, o rendimento real habitual do trabalhador caiu 8,8% no trimestre encerrado no último mês de fevereiro, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Isso significa, segundo a Pesquisa, que a renda média caiu para R$ 2.511 [era R$ 2.752, em fevereiro de 2021].
O presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), Sergio Takemoto, questiona a realidade das pessoas que buscaram por outras saídas econômicas. “Uma pessoa ou família que comprometa quase metade do rendimento mensal com empréstimo terá condições de honrar a dívida e ainda sobreviver neste contexto econômico?”, diz. E ainda acrescenta: “O que se dizer, então, sobre quem está negativado e, possivelmente, desempregado?”.
Fausto Júnior emenda a avaliação. “Estamos falando de rendas baixas e que podem ficar bem menores com a contratação de dívidas”, pontua. “Estão construindo um modelo que, passadas as eleições, vai retirar ainda mais [recursos] de quem já tem muito pouco”, relata diretor técnico do Dieese.
COMBINAÇÃO ARRISCADA
O presidente da Fenae ressalta que o problema não é a concessão de crédito à população. O alerta é para o que ele classifica como “combinação de extremo risco” tanto para quem contrai o empréstimo quanto para o próprio banco público.
“A economia brasileira está deprimida por uma política de governo que paralisou a possibilidade do trabalhador ter emprego e renda”, explica Takemoto. “Defendemos medidas anticíclicas. Contudo, esses ‘pacotes de bondades’ do governo — com mais linhas de empréstimo à população já economicamente massacrada — tratam-se, na verdade, de uma jogada para atrair milhões de pessoas que recebiam auxílio emergencial, por exemplo, e agora têm ainda menos condições de honrar qualquer dívida contraída”, alerta.
Para o presidente da Federação,são brasileiros que ou buscam empréstimo para sobreviver ou recorrem ao crédito na tentativa de empreenderem por necessidade, e não por oportunidade. “Eles abrem seus pequenos negócios por estarem desempregados, por não enxergarem outra saída para a sobrevivência. No desespero, caem na armadilha do empréstimo e, possivelmente, na lista de inadimplentes”, pontua.
SALÁRIO MENOR, DESEMPREGO MAIOR
Levantamento feito pelo Dieese a pedido da Fenae mostra que os aumentos reais do salário-mínimo, descontados os efeitos da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), vêm ficando cada vez menores ou até zerados, como é o caso dos últimos três anos, incluindo 2022. Neste governo, apenas em 2019 houve reajuste do salário, no percentual de 1,14%.
De acordo com o estudo, os índices de aumento [real] do salário-mínimo no governo Michel Temer variaram entre 0,35% em 2016, 0,1% em 2017 e 0,25% em 2018. No governo Dilma Rousseff, o salário chegou a ter reajuste de 7,59%, em 2012, ano de maior aumento real. Já no governo Lula, o maior reajuste [real] do salário-mínimo foi em 2006, quando o percentual chegou a 13,04%.
No entendimento do Dieese, o salário-mínimo necessário deveria ser de R$ 6.394,76; ou seja, cinco vezes e meia a mais do que os atuais R$ 1.212. Para este cálculo, o Departamento considera o preceito constitucional de que o salário deve atender as necessidades básicas do trabalhador e das famílias, com valor único para todo o país e considerando também o custo da cesta básica de alimentos.
O levantamento do Dieese também aponta a evolução do desemprego no país. Considerando os mesmos anos analisados acima, as taxas médias anuais de desemprego foram de 9,2% [2006], 7,4% [2012], 11,7% [2016], 12,9% [2017], 12,4% [2018], 12% [2019], 13,8% [2020] e 13,2% [2021]. Em relação a 2006, era considerada a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). Para os demais anos, a fonte passou a ser a Pnad Contínua.
“Em cenário como este, a massa salarial [dinheiro circulante na economia, proveniente de salários] diminui, contribuindo para desacelerar ainda mais a atividade econômica”, lembra Fausto Júnior. “Além disso, com o aumento da informalidade e da precarização do trabalho, torna-se cada vez mais difícil ao trabalhador ter garantias para efetivamente acessar o crédito. É preciso que a política de crédito no Brasil seja alterada de modo estrutural, se voltando para os mais pobres, e não medidas pontuais de caráter eleitoreiro”, completa o diretor-técnico do Dieese.
O mais recente Mapa de Endividamento produzido pela Serasa mostra que cerca de três em cada dez brasileiros estão inadimplentes e sem trabalho. O levantamento também revela: o número de devedores no país atingiu 65,17 milhões de pessoas e um volume de débitos da ordem de R$ 263 bilhões, em janeiro. Por segmento, os principais débitos continuam sendo com bancos/cartões [28,6%].
De acordo com o Banco Central, o endividamento brasileiro somou 79,6% do Produto Interno Bruto (PIB), em janeiro.