A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS “MARKETPLACES”

Venho repetindo e insistindo nessa coluna, sobre as perplexidades criadas em torno da tributação da chamada economia digital, inclusive sobre minha pessoal contrariedade a esse termo, em oposição da maioria. Não creio seja só porque as transações tenham sido intermediadas por um aplicativo acessado via “internet”, meu pedido de pizza no sábado e muito menos a tributação incidente, tenham mudado. Mas, e se a empresa intermediadora (o aplicativo) estiver sediada na Groelândia, a pizzaria no Ceará e você, com fome, morar na formosa cidade de Santo André? Digo, no máximo, a pizza chegará fria. 

Foto: Arquivo pessoal

A intensidade e quantidade de movimentação comercial intermediada por empresas como iFood, B2W, Airbnb e tantos outros aplicativos, inclusive o da minha padaria predileta, por certo suscita dúvidas sobre o quanto o sistema tributário nacional possa suportar e absorver as intituladas “novas modalidades” de transações, o que não significa necessária ou imediatamente, sua precariedade ou obsolescência. Ao contrário, no imediatismo da perplexidade detectamos interesses pouco republicanos, como é a indevida responsabilização dos “marketplaces”. 

Desde 2019, com o crescimento acentuado e a real praticidade das vendas iniciadas “on-line”, Estados como Mato Grosso, Bahia e Rio de Janeiro publicaram leis específicas com o objetivo de responsabilizar os “marketplaces” pelo pagamento do ICMS quando os verdadeiros e efetivos contribuintes – os comerciantes – não recolherem o imposto estadual.

Bem entendido, os “marketplaces” são genuínos prestadores de serviços e tem como atividade-fim, tão somente disponibilizar os catálogos de produtos dos lojistas usuários dessa facilidade para anunciar e vender. Repare, os “marketplaces” sequer participam da transação ou estão vinculados ao produto, ao momento da venda e muito menos, à obrigação tributária a qual direta, exclusiva e objetivamente, cabe ao comerciante. Com o débil argumento de se facilitar a fiscalização, esses Estados ameaçam a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, seja falseando uma transformação “revolucionária” das relações econômicas viabilizadas pelo “e-commerce”, seja desacreditando o sistema tributário. Daí minha insistência chata, mas convicta, que a disseminação da perplexidade tem no todo uma intenção nociva e busca, minar pouco a pouco, renitentemente e com argumentos falaciosos, sólidas posições já pacificadas pelos Tribunais Superiores mas certamente, desinteressantes à arrecadação. 

Em notícia recentíssima vinda do Rio de Janeiro, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça deu por constitucional, legalizando esse arremedo legislativo absurdo ao imputar responsabilidade tributária aos “marketplaces” pela falta de pagamento do ICMS dos lojistas usuários das suas plataformas e eventualmente devedores.

A decisão judicial desacertada tem relevância ao revés do desenvolvimento econômico. Mirar a responsabilidade tributária de empresas da grandiosidade de um Mercado Livre por fato jurídico do qual sequer participa, não tem nenhum amparo legal, mas politicamente, o argumento assume aparência capaz de seduzir os menos atentos, mesmo que falsa. O reverso da moeda revela-se mais ameaçador, bastando lembrar que na triste pandemia, surgiram centenas de micro e pequenos “marketplaces” desenvolvidos junto a outros comerciantes de igual porte e foram eles, os fiéis efetivos garantidores da continuidade de negócios e empregos de mínima subsistência familiar, agora também na mira da inconstitucionalidade consentida. 

*Alexandre Pantoja é advogado atuante em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (GVlaw). Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (IBET/SP). pantoja@alexandrepantoja.adv.br

31 de agosto de 2022