Por Alexandre Pantoja*
A intensidade das discussões quanto início da produção dos efeitos da Lei Complementar 190/2022, se após 90 dias da sua publicação ou somente a partir de 1º de janeiro de 2023, parece ter ofuscado outros atropelos aos princípios determinados pela Constituição Federal. Por certo e claro, a estampada ofensa aos princípios da anterioridade nonagesimal e anual ainda são, ao cabo do primeiro trimestre do ano, o principal motor do antagonismo instalado entre estados e contribuintes, ao que vemos pela velocidade de liminares concedidas e agora, suspensas a cada dia ante à grita dos Estados por “justiça tributária”, temerosos da perda de arrecadação. Contudo, para além da anterioridade tributária, a Lei Complementar 190 impõe outros abalos insuperáveis à Constituição.
Por diretriz constitucional, o ICMS devido em uma operação deve ser compensado com o montante cobrado nas anteriores, ou seja, é a Constituição Federal que atribui à não cumulatividade fundamento qualificador e essencial desse imposto, ou dizendo em outras palavras, nenhuma lei poderá, exceto a própria Constituição, reivindicar exceções ao creditamento sob pena de os Estados estimularem a arrecadação ilegítima, por toda, intolerada pela Lei Maior do País.
Ao revés desses parâmetros fortemente delimitadores do ICMS, a Lei Complementar 190 inova imoderadamente e sem qualquer esteio jurídico ao introduzir o artigo 20-A, o qual restringe o aproveitamento dos créditos por limitar o contribuinte a deduzir apenas o débito correspondente ao devido ao Estado de origem, corrompendo a moldura fundamental legitimadora da não cumulatividade do imposto estadual. Ora, a previsão de não cumulatividade do ICMS tal como posta na Constituição Federal não impõe qualquer discriminação à origem ou destino da mercadoria, muito ao contrário, tem como princípio vedar essa distinção.
Seja daqui a poucos dias ou no próximo ano, em resumo prático, as primeiras consequências da restrição imposta serão notadas pelo excessivo acúmulo de créditos, os quais afetarão sobremaneira e desfavoravelmente, o fluxo de caixa das empresas que vendem a consumidores finais em outros Estados. Ato lógico seguinte, a desvantagem econômica das operações interestaduais não tardará à percepção de todos, mais caras comparativamente às operações internas e até mesmo às importações, o que convenhamos, desafia qualquer equilíbrio concorrencial, não por acaso também protegido pela Constituição.
Com recorrência, convivemos com uma relativização, ao nosso entendimento absurda, de princípios básicos do eixo de fundamento constitucional. Ainda que a preservação dos Estados menos favorecidos economicamente seja meta sempre a ocupar tanto os membros do Poder Legislativo como os do Poder Judiciário, nos deparamos com o consequencialismo mal justificado que dá de ombros ao aumento da carga tributária e à violação escancarada dos alicerces constitucionais de diretriz garantidora da segurança tributária, há tempos e infelizmente, surpreendida sempre por argumentos econômicos avessos à legalidade.
*Alexandre Pantoja é advogado atuante em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (GVlaw). Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (IBET/SP). pantoja@alexandrepantoja.adv.br